É possível produzir uma boa legislação sobre abuso de autoridade de forma apressada, no atual ambiente de tensões expostas e revanchismos? Este é o momento para votar este projeto, esta é a prioridade do País? Estes foram questionamentos feitos pelo senador Alvaro Dias, ao se pronunciar na sessão convocada para debater o projeto sobre abuso de autoridade, com a presença do juiz Sérgio Moro e do ministro do STF, Gilmar Mendes.

Alvaro Dias disse acreditar que este não é o momento adequado para discutir o projeto do abuso de autoridade, discordando de posição exposta pelo ministro Gilmar Mendes, que se posicionou a favor da urgência do debate. Para o senador, antes de se debater este projeto, é preciso respeitar as aspirações e prioridades da sociedade, como, por exemplo, a conclusão da operação Lava Jato.

“É importante fazer a leitura correta do que a população escreve na manifestação de suas aspirações legítimas. E o que eu leio é que os brasileiros querem a conclusão da Lava Jato com eficiência e competência. Esta é a prioridade no momento. Não creio que esta proposta vá comprometer a operação Lava Jato, mas como disse aqui o juiz Sérgio Moro, esta ação atropelada, em relação a uma matéria de tamanha importância, pode sim passar a ideia de que estamos tentando atrapalhar os trabalhos da força-tarefa. É preciso entender que o Brasil é uma nação em movimento, e que as mudanças são irreversíveis. A mudança começou com o povo nas ruas, passou para instituições essenciais ao estado democrático de direito, e precisa chegar aqui também ao Congresso, com a mudança na cultura política. Portanto, precisamos fazer a leitura correta das aspirações populares”, afirmou o senador.

Na Tribuna, Alvaro Dias citou nota técnica do Ministério Público Federal, que afirma que o projeto, da forma como foi redigido, a pretexto de aperfeiçoar a legislação vigente, poderá embaraçar o regular andamento das atribuições de cada órgão do Estado. “A bem da verdade, os responsáveis pela persecução penal e condução do processo penal estarão expostos a retaliação por parte do investigado ou acusado em razão não do abuso do poder praticado por eles, mas em razão da redação excessivamente aberta e subjetiva dos tipos penais”, diz a nota do MPF lida pelo senador.

Outro ponto levantado pelo senador Alvaro Dias, no seu pronunciamento, referiu-se ao artigo 38 do projeto de abuso de autoridade, que propõe a criminalização do agente público que se exceder, sem justa causa, ainda que não se valha de meio violento, no cumprimento de ordem legal, de mandado de prisão ou de mandado de busca e apreensão. “Na prática, o que poderá ser considerado excesso? Como se dará essa valoração da conduta do agente no caso concreto? No momento da ação o agente, antes de mais nada, precisa se precaver para proteger sua vida e as daqueles que com ele atua. Afinal, salvo raras exceções de erro judicial, os agentes estão lidando com bandidos que praticaram crimes diversos como corrupção, tráfico de influência, formação de quadrilha, tráfico de entorpecentes, fraudes em geral, etc”, disse o senador.

“Com preocupação, podemos verificar que os tipos penais construídos não primam por uma clareza de definição que permita que o caso concreto seja bem identificado e delineado em face à norma posta. Alguns tipos penais são genéricos, a ponto de deixar ao critério de doutrinadores e de operadores do Direito a qualificação e enquadramento da ação à norma. Ao construir tipos penais com expressões vagas ou imprecisas, o legislador acaba por deixar a própria lei frágil e ao sabor das interpretações. Fica a lei refém do subjetivismo conceitual, e não cabe, nem mesmo ao juiz, substituir o legislador que não construiu tipo penal claro. Os tipos penais abertos, com infrações formuladas de maneira vaga, onde podem ser enquadrados atos variados, não apenas provoca a insegurança jurídica mas afronta o princípio da legalidade que exige objetividade dos tipos penais. No caso do projeto em análise, a situação ganha contornos preocupantes, visto que atualmente vários agentes públicos estão confrontando interesses de grandes corporações privadas, diversos agentes políticos poderosos e, inclusive, outros agentes públicos bem posicionados na estrutura administrativa do Estado”, argumentou Alvaro Dias, que fez um apelo ao presidente do Senado e aos senadores: que retirassem a urgência do projeto de abuso de autoridade, para que ele pudesse voltar às comissões com objetivo de ser melhor debatido.
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